sábado, 24 de março de 2012

O PECADO, A QUEDA E A GRAÇA DE DEUS – Parte 2

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Esse material é um estudo dividido em quatro partes. No final de cada parte você encontrará um link para o estudo seguinte. Não deixe de ler as três partes.

 Versos 2 e 3: Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.

Eva retruca à insinuação da serpente com uma “verdadeira afirmação”, com a qual procura responder tanto à admiração quanto à surpresa, apresentadas na pergunta feita pela serpente. Mas como dissemos, ao fazer a defesa de Deus, Eva o faz de maneira desastrada. Por motivos diferentes daqueles utilizados pela serpente, a mulher lança mão, exatamente, do mesmo tipo de recurso utilizado pela serpente: o exagero. A primeira parte da afirmativa da mulher está 100% correta: ”Do fruto das árvores do jardim podemos comer”. Mas na segunda parte da resposta, aquela que trata de forma específica, do acesso ao fruto do conhecimento do bem e do mal, a resposta da mulher contém uma adição quando ela especifica que: com relação ao fruto proibido, eles não deveriam apenas não comê-lo, mas não deveriam sequer tocar no mesmo. Ela esticou a proibição – restrita a não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal – um bocado considerável, ao interpretar o “dela não comerás”, de Deus, com o “nem tocareis nele”, que acrescentou ao mandamento Divino. Esta é outra tentação permanente entre os seres humanos: Tentação # 2 = colocar palavras na boca de Deus! As palavras de Eva podem ter tido a intenção de, apenas enfatizar, a restrição imposta por Deus concernente ao fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Se a intenção de Eva, ao colocar palavras na boca de Deus foi mesmo a de enfatizar a restrição, isto então, torna a opção feita pela mulher, no verso 6 adiante, apenas tanto mais odiosa. Independente da intenção da mulher, o fato é que a serpente usou, exatamente, este “aumento” no mandamento dado por Deus, para prosseguir com o ataque iniciado no verso 1. 

Versos 4 e 5: Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.
Como destacamos em Gênesis 3:1, a serpente iniciou seu ataque com uma afirmação interrogativa de choque - na forma de incredulidade – e de surpresa. E aqui reside outra tentação perene da raça humana: Tentação # 3 = não crer naquilo que Deus diz.

Todavia, aqui, em Gênesis 3:4 – 5, a serpente não precisa mais usar de expressões de “choque e de surpresa”. Uma vez que a isca havia sido fortemente mordida pela mulher, a serpente se torna rigorosamente dogmática ao afirmar: “É certo que não morrereis”. Estas últimas palavras da serpente representam:

·      Em primeiro lugar, um ataque frontal e certeiro contra as palavras proferidas pelo próprio Deus em Gênesis 2:16 – 17, acerca do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.

·  Em segundo lugar, as palavras da serpente negam, de forma peremptória, qualquer possibilidade de que poderia haver qualquer verdade na preocupação demonstrada pela mulher acerca da morte – independente de como os primeiros seres humanos entendiam a expressão “morte”.

Visando solidificar seu caso contra Deus, a serpente lança mão do próprio Deus. Esta é outra tentação perene da raça humana: Tentação # 4 = usar Deus como desculpa para justificar-se. Como já vimos, a serpente iniciou seu ataque dirigindo-se à palavra de Deus: “é assim que Deus disse – Gênesis 3:1”. Agora, neste segundo momento, o tentador procura direcionar a atenção da mulher para o próprio Deus; para os próprios pensamentos e intenções de Deus. A serpente deseja dar a impressão de que conhece a Deus melhor do que a mulher poderia conhecê-lo a qualquer tempo. Suas palavras, “É certo que não morrereis”, implicam que a serpente quer dar a entender que ela pode penetrar a mente do Deus Eterno e saber exatamente aquilo que Deus sabe e pensa. Existe sim, um ser que pode penetrar e saber até as coisas mais profundas de Deus. Mas não é este ser personificado na serpente. O único ser que pode e efetivamente sabe, todas as coisas, até aquelas mais profundas escondidas em Deus é o Espírito Santo – ver 1 Coríntios 2:10.

Ato contínuo, a serpente continua afirmando, de forma dogmática, que a desobediência, ao mandamento de Deus, não irá trazer a grave conseqüência mencionada por Deus – a morte, independente de como Adão e Eva entendiam ser o significado desta palavra. Pelo contrário, a desobediência iria trazer algo positivo; seria uma verdadeira bênção na vida dos dois humanos ali presentes. Ah! A ilusão causada pela tentação do pecado. O profeta Isaías, em outro contexto, registrou palavras que expressam, de forma perfeita, as conseqüências do pecado ao dizer: “Pelo que, como a língua de fogo consome o restolho, e a erva seca se desfaz pela chama, assim será a sua raiz como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pó; porquanto rejeitaram a lei do SENHOR dos Exércitos e desprezaram a palavra do Santo de Israel – Isaías 5:24”. A desobediência aos mandamentos de Deus e o desprezo à palavra do Senhor trazem sempre um mesmo resultado final: miséria absoluta. Mas, no argumento da serpente, o consumo do fruto proibido, em flagrante desobediência ao mandamento de Deus, resultará em terem mulher e homem, seus olhos abertos; fará também com que os dois se tornem conhecedores do bem e do mal. Por fim, como uma espécie de coroa, a desobediência fará com que eles sejam exatamente como Deus!

A nossa versão de Almeida Revista e Atualizada captura de maneira magistral o predicativo do hebraico, ao dizer: “como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”. Aqui reside mais uma tentação perene dos seres humanos: Tentação # 5: Ser como Deus. E esta é a tentação suprema dos seres humanos

A serpente mistura, de forma astuta e sagaz, palavras que tanto negam a verdade divina, bem como palavras que acusam Deus de ser parcial e desonesto. Esta mistura de palavras e idéias visam despertar na mulher um desejo. E este desejo tem a ver com a possibilidade da mulher se tornar em algo maior do que aquilo que ela realmente é e, o que é pior, em algo maior do que Deus mesmo pretendia que ela fosse. A tentação faz exatamente isto: abre o desejo que faz vislumbrar a possibilidade de alcançarmos ou nos tornarmos em mais do que aquilo para o que fomos criados. Os resultados são sempre catastróficos. Esta é outras das nossas perenes tentações: Tentação # 6: Desejar Ser mais do que nós somos, mais do que Deus deseja que sejamos.  

Da perspectiva que a serpente sugere à mulher, a narrativa de Gênesis 3 nos mostra que comer do fruto proibido é um erro que acaba por produzir uma “vantagem”: para a serpente, comer do fruto proibido era o equivalente a tornar-se alguém como o próprio Deus. Para alcançar o alvo que é fruto do desejo despertado – ser como Deus – é necessário transgredir a uma ordem direta do Criador! Esta é a impressão que a serpente deseja causar na mulher. Mas, como o texto deixa bem claro, o ganho alcançado não passa, na realidade, de uma grande desvantagem. 

O desejo já está instalado na mulher. Agora ela precisa decidir o que fazer. Ela considera a possibilidade de ganho da seguinte maneira: Caso eu tome e coma do fruto, seguindo a sugestão da serpente e contra a ordem expressa de Deus, então eu estarei de fato desobedecendo a Deus, mas estarei também iniciando minha ascensão em direção a tornar-me “como Deus”. Gerhard Von Rad[1], teólogo alemão, diz no seu comentário do Gênesis, o seguinte: “a insinuação da serpente é a de uma possibilidade de extensão da existência humana que vai além dos limites estabelecidos por Deus, na criação, um aumento da vida não somente no sentido de enriquecimento intelectual bem como da familiaridade e poder sobre mistérios que estão além da capacidade humana”. Temos aqui mais uma das perenes tentações com as quais temos que lidar: Tentação # 7: O desejo de conhecer as coisas ocultas que estão além da capacidade humana. Fazemos bem em ouvir as palavras de Moisés em Deuteronômio 29:29!

Os desejos que produzem em nós a visualização das possibilidades daquilo que podemos alcançar através da desobediência a Deus, não passam de fantasias. Entre estas fantasias, nenhuma é mais poderosa do que a da deificação ou a idéia de que podemos ser exatamente como Deus mesmo! Para o professor de Antigo Testamento do Asbury College no estado do Kentuky nos Estados Unidos da América, Victor Hamilton, “a deificação é uma fantasia difícil de reprimir e uma tentação difícil de rejeitar. No caso da mulher, tudo o que ela precisa fazer para aceitar a fantasia e ceder à tentação é mudar sua decisão de fazer a vontade de Deus para a decisão de fazer a própria vontade. Todas as vezes que uma pessoa faz da sua própria vontade algo crucial e, da vontade revelada de Deus algo irrelevante ou, sempre que a autonomia do indivíduo desalojar a submissão e a obediência a Deus, o indivíduo finito estará tentando ultrapassar os limites estabelecidos pelo Criador”[2].

Uma boa ilustração do que acabamos de citar é a arrogância do rei da Babilônia como descrita em Isaías 14:3 – 24, especialmente o verso 14, onde lemos: “subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo”. Por semelhante modo, o imperador romano Otávio, agregou a si próprio o epíteto de “AUGUSTO” que quer dizer: aquele que é digno de receber adoração. De fato a adoração ao imperador estava espalhada por todo o império romano e era, de longe, o culto mais praticado pelos súditos imperiais. Este culto ao imperador, um mero homem mortal, era muitas vezes usado como desculpa para perseguir os cristãos que se recusavam a prestar culto ao imperador. Os cristãos sabiam que o imperador romano era apenas um mero homem, como qualquer outro, pelo simples fato de que ele podia sangrar como qualquer outro ser humano.

Verso 6: Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.
De repente, a árvore proibida possuía, da perspectiva da mulher três qualidades que a recomendavam:

·       Em primeiro lugar a árvore era fisicamente agradável, isto é, “era boa para se comer”.

·       Em segundo lugar, a árvore parecia ser esteticamente agradável, pois o texto bíblico nos diz que a árvore era: “agradável aos olhos”.

·       Em terceiro lugar, e isto é bastante estranho, a árvore parecia possuir uma qualidade que, aos olhos da mulher, a transformavam em uma árvore: “desejável para dar entendimento”. Isto parece ser resultado direto da fantasia que existia na cabeça de Eva, pois não temos nenhuma idéia de como é que alguém pode tornar-se mais sábio apenas por comer determinado fruto. Todavia, esta parece ser, das três qualidades, aquela que mais apelava à mulher em sua desvairada fantasia.

A ironia da cena está finamente estampada na trama. Ao decidir desobedecer ao mandamento de Deus, a mulher manifestava a mais absoluta falta de entendimento, que por ironia, era exatamente o que ela estava buscando alcançar mediante o ato de desobediência ao mandamento de Deus

Excitada pela idéias disseminadas pela Serpente, a mulher acredita realmente que o fruto desta árvore possui a capacidade de satisfazer não somente ao apetite e ao paladar, mas também à razão! Aliado a isto, existia a promessa da serpente de que eles poderiam “ser como Deus, conhecedores do bem e do mal”. Mas tomar e comer do fruto proibido, não representava para eles também a realidade da morte, de acordo com as palavras de Deus quando disse: “no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Sim, e eles certamente sabiam disto. Mas como é que eles entendiam a expressão “morte”? Temos que tomar sempre muito cuidado para não trazermos para dentro dos textos bíblicos nossas idéias preconcebidas. Neste caso me refiro a lermos a expressão morte da maneira como estamos acostumados a utilizá-la, que é, como representativa dos conceitos de: cessação da vida ou da existência ou mesmo da consciência. Para o homem e sua mulher estes conceitos não estavam presentes, pois se este fosse o caso, que vantagem teriam realmente de tomar e comer do fruto? Para eles, portanto, o conceito representado pela expressão “morte” implicava sim, na separação de Deus, de Seus favores e da possibilidade de participar, em algum tempo futuro, da árvore da vida. Mas, diante da fantasia causada pelo desejo de ser algo mais, tudo isto poderia ser amplamente compensado pelo conhecimento adquirido, pela elevação alcançada e pela exaltação de ser exatamente como Deus mesmo. Aqui estamos diante de uma complexa “teia” dos mais intricados sofismas[3] e, devemos ter a humildade para nunca presumir que podemos entender exatamente tudo o que estava se passando na mente de nossos primeiros pais.

Em resumo podemos dizer que, para a mulher, não havia nenhuma outra maneira de se alcançar o conhecimento, a não ser por um ato de aberta desobediência a um mandamento direto de Deus. Por outro lado era como se não existisse nenhuma outra maneira de ser semelhante a Deus, que não fosse esta, alcançada mediante um ato voluntário de desobediência. Para a mulher, comer do fruto, em flagrante desobediência ao mandamento de Deus, era a única maneira de alcançar – sequil - entendimento. Esta última expressão significa literalmente o seguinte: “prosperar, fazer prosperar ou ter sucesso”. E é exatamente nisto mesmo que reside a essência da cobiça: um desejo veemente de possuir algo de tal maneira que parece que só poderemos alcançar a verdadeira felicidade se possuirmos o objeto desejado. O homem e sua mulher são culpados desta terrível transgressão. Quando iremos aprender que nossa verdadeira felicidade só pode ser alcançada, de forma exclusiva, mediante nosso relacionamento com Deus? E isto nas condições estabelecidas por Deus mesmo.

O primeiro relato de pecado na Bíblia está limitado ao uso de 8 palavras apenas:

וַתִּקַּח  = wattiqqahtomou-lhe.

מִ‍פִּרְיוֹ  = mippireyo - do fruto.

וַתֹּאכַל  = wattokal - e comeu.

וַתִּתֵּן  = wattitten - e deu.

גַּם־לְאִישָׁהּ  = gam-leîsah - também ao marido.
עִמָּהּ  = immah – esta palavra funciona literalmente como um advérbio ou uma preposição significando “com” e não é normalmente traduzida.
 
וַיֹּאכַל  = wayyokal – comeu.

Ao contrário da crença popular que diz que eles comeram uma maçã, a Bíblia não especifica qual tipo de fruto Adão e Eva comeram. A única árvore frutífera mencionada diretamente no texto é a figueira, no verso 7. A tradição, geralmente aceita de que nossos primeiros pais comeram uma maçã, provavelmente está baseada na similaridade sonora, em latim, entre malus, “mal”, e malum, “maçã”.

Devemos notar que a mulher não tenta o homem. Ela apenas estende a mão e ele toma o fruto e come. O homem não questiona nem argumenta contra. Não há diálogo registrado entre eles. O que move Adão não é o desejo de agradar sua mulher como alguns poderiam supor. O que o move é sua própria cobiça como persuadido pela sua própria consciência, de que aquela era a atitude certa a tomar. A mulher permite que sua própria mente e julgamento sejam seus guias. O homem nem aprova nem condena o que ela faz. Mas ao pecar, desobedecendo a uma ordem direta do seu Criador, Adão pecou contra a verdadeira e grande sabedoria; pecou contra incontáveis graças e misericórdias que lhe haviam sido manifestas e demonstradas; pecou, ainda mais, contra a luz mais cristalina que alguém poderia ter recebido e, contra o maior amor contra o qual uma criatura pode pecar.

De acordo com o relato da queda no pecado que encontramos no livro de Gênesis, o homem não se encontrava em liberdade para pecar. Pelo contrário ele é mostrado como estando debaixo de um mandamento divino para não pecar e tinha como grande incentivo a ameaça de Deus de que ele morreria caso desobedecesse. Adão e Eva estavam debaixo de um mandamento restritivo de Deus para não fazerem o que eles acabaram, de fato, fazendo. Liberdade, como autoridade, é composta por dois elementos: capacidade ou força, associada ao direito. Toda a autoridade que exercita a força sem o direito, constitui-se em uma perversão desta mesma autoridade, naquilo que chamamos de totalitarismo. Da mesma maneira a liberdade que faz aquilo que não tem o direito de fazer constitui-se em uma perversão desta mesma liberdade naquilo que chamamos de anarquismo.

A afirmação teológica de que Deus criou o homem livre, isto é, com uma liberdade tal que o permitia pecar – chamada tecnicamente de “posse pecare”, constitui-se em uma explicação do pecado pelo próprio pecado. Se Deus dotou o homem com este tipo de liberdade, então Deus não poderia, em justiça, permitir que a liberdade humana sofresse a escravidão que o pecado impõe sobre ela.

II. Do Pecado e da Ilusão do Livre Arbítrio.

O assim chamado “Livre Arbítrio” - liberum arbitrium - é uma das mais antigas discussões no seio da igreja cristã, apesar de que seu início pode ser traçado diretamente aos dias de Pelágio Brito ou Britannicus[4], que foi um monge - não ordenado - e que viveu entre 354 e 445 a.D.

O Pelagianismo é considerado por muitos como a primeira tentativa de reformar a igreja Católica. Pelágio acreditava que os seres humanos podiam satisfazer os mandamentos de Deus sem a ajuda da graça de Deus. Pelágio escreveu inúmeras obras. A grande maioria não existe mais. Entre suas obras nós podemos citar as seguintes:

·       De Fide Trinitatis – perdido.

·       Eclogarum ex Divinis Scripturis líber unus – coletânia de passagens bíblicas comentadas.

·       Commentarii Epistolas S. Paulii – este livro continha muitos dos seus desvios doutrinários e estes foram usados pela igreja para condená-lo tanto no Ocidente - Concílio de Cartago em 418 a.D. - como no Oriente - Concílio de Éfeso em 431 a.D.

Em seus escritos, Pelágio negava o estado de inocência de nossos primeiros pais bem como a idéia do primeiro pecado cometido por eles. Pelágio defendia a idéia de que:

·       A concupiscência é algo natural e inerente aos seres humanos.

·       Nossos primeiros pais morreriam como qualquer outro humano mesmo que não tivessem pecado.

·       A atual existência e universalidade do pecado eram fruto do mau exemplo dado por Adão ao pecar pela primeira vez.

As idéias de Pelágio estavam profundamente enraizadas, não nas escrituras, mas em antigas filosofias pagãs, especialmente no popular sistema defendido pelos Estóicos[5]. Pelágio acreditava no livre arbítrio incondicional dos seres humanos. Considerava ainda que a força moral da vontade humana, por ele referida como “liberum arbitrium”- poderia ser fortalecida pelo asceticismo, que é a moral que desvaloriza os aspectos corpóreos e sensíveis do homem, e isto a ponto de fazê-la desejar e obter os mais elevados ideais de virtude. Para Pelágio o valor do sacrifício de Jesus estava limitado às instruções, referidas como “doctrina”, e ao exemplo, que ele chamava de “exemplum”, e que o Salvador nos deixou como uma contrapartida ao mau exemplo deixado por Adão. Pelágio foi realmente o primeiro indivíduo a idealizar Jesus como um “perfeito rotariano”. Desta maneira, para Pelágio, a natureza, incluindo a raça humana, retém a habilidade de conquistar o pecado e de alcançar a vida eterna sem o auxílio da graça divina. A favor de Pelágio precisamos destacar que ele aceitava o fato de sermos purificados de nossos pecados no processo de justificação mediante a fé. Mas o perdão justificador de Deus não implicava em uma renovação interna ou santificação de nossas almas e/ou espíritos.

Os ensinos de Pelágio foram, em grande parte, confrontados por Aurelius Augustinos - 354 – 430 a.D - conhecido como santo Agostinho e que se tornou bispo da cidade portuária de Hipona no norte da África. As obras de Agostinho que trataram destas questões são:

·       De Peccatorum Meritis et Remissione.

·       De Spiritu et Letera.

Pelágio provavelmente morreu na Itália entre os anos 441 a 445 a.D., durante o reinado de Valentiniano III.

Apesar das idéias acima terem sido condenadas por dois concílios - especialmente ecumênico foi o de Éfeso em 431 a.D. - elas não desapareceram e são sempre recicladas.
Somente a ignorância da história e a persistente insensatez humana, manifesta na defesa de interesses outros e não da verdade, continuam mantendo viva esta possibilidade filosófica. Para entendermos melhor esta questão, falemos um pouco sobre o binômio “pecado e liberdade”.

Em primeiro lugar precisamos dizer que o conceito de liberdade não explica o pecado. Ou seja, o pecado não existe porque alguém possui liberdade para pecar. Mesmo admitindo que o pecado está relacionado com o conceito de liberdade, este conceito, ainda assim, não explica como o pecado surgiu. Deus mesmo é o único que possui genuína liberdade e Ele também não pode pecar. Isto deve deixar mais do que evidente que o conceito de liberdade não serve para explicar a existência do pecado.

Deus criou o homem – como homem e mulher - com uma liberdade que era moralmente qualificada. Isto quer dizer que ele era livre para obedecer e se submeter voluntariamente a Deus. Quer dizer também que a continuidade daquela liberdade dependia da decisão de evitar o pecado. Este é o ensino das Escrituras tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. O homem, como originalmente criado por Deus, tinha a habilidade de não pecar, e o homem recriado em Jesus não vive em pecado - ver 1 João 5:18 – e está destinado, a viver por toda eternidade, livre da própria presença do pecado. O que estamos querendo dizer é que a habilidade de pecar não faz parte da essência daquilo que a liberdade representa. A verdadeira liberdade no homem criado por Deus e depois re-criado em Cristo, constitui-se na habilidade, moralmente qualificada, de fazer o bem. E não na capacidade, moralmente não qualificada, de fazer ou o bem ou o mal. Este tipo de dualismo não está presente onde a liberdade existe. A verdadeira liberdade pertence à essência daquilo que o homem é como criado por Deus e como re-criado em Jesus. Em nenhuma destas duas situações anteriores - criação original e re-criação em Jesus - a liberdade é uma instância moralmente neutra e não qualificada da humanidade. De fato, o efeito que o pecado humano produz sobre a liberdade é definido pela Bíblia, não como qualquer outra forma de liberdade, maior, ou melhor, ou mais sofisticada, e sim, como pura e simples ESCRAVIDÃO.

É importante entendermos que o homem, como criado por Deus, não tinha mais liberdade para pecar, da mesma maneira que, uma vez tendo pecado e caído em escravidão moral, ele não é livre para voltar e tornar a ser o que ele era antes. Para tal, o mesmo está sujeito à graça de Deus, para restaurá-lo, mediante a recriação em Cristo, à liberdade que foi perdida por causa da transgressão do pecado. O pecado, como vimos na análise de Gênesis 3:1 – 6 acima,  constitui uma perda mesmo quando aparenta ser uma ganho. Por este motivo o pecado não pode nunca ser considerado como conseqüência do exercício da liberdade. Infelizmente, para aqueles que querem ver no pecado o resultado do exercício da liberdade humana, temos a dizer apenas que: o pecado é realmente um mistério; como tal, o mesmo é tanto imoral como irracional. Todas as vezes que se tentou usar o conceito de liberdade para se explicar o pecado, o resultado foi sempre um desvio da sã doutrina como manifestado no “Pelagianismo”, e nas suas formas posteriores do “Semi-Pelagianismo” e “Arminianismo”. Os maiores representantes destas escolas de pensamento nestes primeiros anos do século XXI são a Igreja Católica Apostólica Romana e a grande maioria das igrejas Pentecostais. Estas igrejas, apesar de se chamarem de cristãs, possuem em comum a crença de que a salvação pode ser perdida, pois depende da própria pessoa e não de Deus exclusivamente.

Agora, de acordo com o relato bíblico da queda, o homem, ao transgredir, além de perder o seu direito de viver no Jardim do Éden, pois foi expulso de lá; perdeu também seu direito a vida e o direito de ser ele mesmo: nu e não envergonhado. Com isto, a partir da queda, no relato bíblico, o homem, como pecador, é mostrado como não sendo livre. Pelo contrário, ele é um escravo do pecado e está sob o poder da morte. Uma das mais dramáticas conseqüências desta falta de liberdade é que o homem caído é devotado aos ídolos. E nesta devoção aos ídolos, ele acaba por se transformar em um ser subumano e igual aos ídolos aos quais ele se devota – ver Salmos 115:1 - 8. Ídolos, neste conceito, não são apenas as imagens de escultura e sim tudo aquilo que seduz e engana o homem, a fim de transformá-lo e reduzi-lo a ser menos do que Deus intencionava. É de fato curioso que o resultado direto da transgressão, que visava levar o homem a ser mais do que Deus intencionava, acabou por levá-lo a ser exatamente o oposto. Mas nem tudo está perdido, porque o Deus Criador continua firme no controle de todas as coisas. Desta maneira, o homem como escravo do pecado, pode se tornar cativo da graça de Deus e, através dessa mesma graça, receber de volta sua verdadeira liberdade como um dom de Deus. Essa nova liberdade, concedida pela graça divina, permite ao homem experimentar tanto a libertação do poder do pecado como o perdão do seu passado pecaminoso através do dom da graça de Deus, que justifica o direito humano de viver de uma maneira aberta um futuro eterno – ver Efésios 1:3 - 14.

A Terceira Parte desse estudo poderá ser alcançada através desse link:

http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2012/03/o-pecado-queda-e-graca-de-deus-parte-3.html

Que Deus abençoe a todos.


Alexandros Meimaridis

PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no facebook através do seguinte link:

Desde já agradecemos a todos.


[1] Rad, G. Von. Genesis. Revised Edition. Traduzido do alemão por J. H. Marks. The Westminster Press, Philadelphia, 1972.

[2] Hamilton, Victor P. The Book of Gênesis – chapters 1 – 17 in The New International Commentary on the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, 1990.

[3] Sofisma - Argumento aparentemente válido, mas, na realidade, não conclusivo, e que supõe má-fé por parte de quem o apresenta; falácia. Por extensão corresponde a um argumento falso formulado de propósito para induzir outrem a erro.

[4] Pelágio Brito ou Britannicus - sabemos muito pouco acerca do início da sua vida e o mesmo ocorre com o final da mesma. Acredita-se que fosse nascido na Inglaterra, apesar de alguns escritores da época tentarem denegrir sua imagem dizendo que ele era escocês. Para complicar ainda mais esta questão, hoje sabemos que entre os séculos IV e V a.D. as pessoas, no mundo romano, costumavam chamar de escoceses aqueles nascidos na Irlanda. Ou seja, a única coisa que o vincula às ilhas britânicas era seu epíteto de Brito ou Britannicus. Talvez tenha mesmo emigrado para Roma partindo do sul da Grã Bretanha.

[5] Os Estóicos ensinavam que o homem torna-se virtuoso através do conhecimento, que o capacita a viver em harmonia com a natureza e, assim, conseguir um senso profundo de felicidade – chamada eudamonia em grego - e a libertação da emoção – apatheia - que o isola das vicissitudes da vida.

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